Meu tio era um gaiato. Ele gostava de tomar café. Ele gostava de tomar o café de graça. Ele almoçava em boteco. Em boteco bem xumbrega, desses com ovo rosa e Malzbier. Comia a comida vagarosamente. Pagava pela comida. Conversava com todo mundo do boteco. Ficava amigo do pessoal. Adorava uma boa piada.
Você tá com a cara manchada.
Onde?
Ele apontava para o rosto do cidadão.
Vá ao banheiro limpar isso, rapaz!
O cara saía e ia ao banheiro. Meu tio aproveitava e tomava o café do cara e se mandava. Fez isso muitas vezes. Um dia, numa das cinco vezes em que fez refeições em boteco, no quinto golpe, o café estava quente demais. Ele demorou. Veio o cara e deu-lhe uma porrada. Ele apanhou tanto que nunca mais repetiu a sacanagem.
Meu tio tinha dinheiro, mas fazia isso pela adrenalina.
Muita gente faz coisa só pela adrenalina.
Rodrigo de Souza Leão, em Todos os cachorros são azuis. 7Letras, 2008.
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